domingo, 19 de maio de 2013

Mandrake na carência!



Tem conversa, nessa vida, que faz eu me sentir uma criança...

É como se eu voltasse ao tempo daquelas brincadeiras da infância. É isso mesmo! Muitas pessoas, bem adultas, ainda brincam comigo de “Mandrake” e “Vaca amarela”.

A brincadeira de Mandrake consistia em paralisar o adversário. Caso ele não estivesse protegido com a mão na testa, alguém que o encontrasse desprevenido poderia dizer: Mandrake! O comando indicava que você deveria ficar em posição de estátua até ser liberado.

A brincadeira da Vaca Amarela era para testar a capacidade das crianças de ficarem em silêncio absoluto. A brincadeira era iniciada com uma música cantada por um dos participantes, e era mais ou menos assim: "vaca amarela fez cocô na panela, três a mexer, quatro a comer, quem falar primeiro come tudo o que a vaca fez..." Depois que a música era cantada, todos silenciavam até o primeiro não se aguentar e falar.

Quando eu não sei o que dizer, nem o que fazer diante de algumas afirmações, é como se eu estivesse revivendo essas brincadeiras! Isso ocorre quando, por exemplo, alguém afirma que é refém da carência afetiva. Me sinto dispensada da conversa, pois não consigo emitir nenhuma reação, paraliso em Mandrake ou fico muda como na Vaca Amarela!

Além disso, dá vontade de sumir também! Nessas situações, acho que eu adoraria ter os poderes de Leon Mandrake, o reconhecido ilusionista da década de 30 que inspirou histórias em quadrinhos e mais tarde a brincadeira.

Na década de 70, o Mandrake era uma das nossas brincadeiras preferidas, mesmo paralisados de maneira inusitada, nós nos divertíamos muito. A brincadeira se perdeu nas ruas pela imposição da violência e dos jogos virtuais, ao contrário do nosso carente que se moderniza cada vez mais.

O carente se diz romântico, refém do amor, ele não se considera deprimido, muito menos obcecado, mas a mim, ele parece muitas vezes como uma criança. Mesmo em estado de Mandrake, eu sinto vontade de reagir dizendo: “Você está carentezinho? Quer uma mamadeira? Ou será que serve um bico?”.

Ah! Esqueci! Não posso falar! Senão terei que comer tudo que está na panela! Ah! Maldita vaca amarela! Três a mexer, quatro a comer...

Mas quem acaba comendo tudo na panela é o tipo mais grave de carente. É aquele que justifica a comilança masoquista, porque é deveras carente. Me deu vontade agora de devolver um “Mandrake” nesse sujeitinho! Não quero fazer a apologia da solteirice bem resolvida, mas se alguém tolera sofrimento numa relação por estar acorrentado à carência... Duplo Mandrake nele!

Deixando um pouco a infância de lado, voltemos ao mundo adulto. Por favor, Senhor Houaiss, explique-nos o que é a carência?

Carência significa falta de algo necessário, privação. Ex: alimento. Derivação: sentido figurado. Necessidade afetiva: carência de amor.

Sentido figurado... Perceberam o ilusionista Leon Mandrake atuando?

Nesse ponto, alguém pode estar ainda pensando: “Mas eu tenho direito de sentir carência...”.

Dai-me paciência, Senhor!

Direito de sentir? Foi isso que você protestou? Sim, é claro que você tem esse direito! Aliás, você tem o direito de sentir o que quiser, até uma dor onde não existe, sabia?

A carência afetiva em excesso é, na minha opinião, um sentimento que tira as rédeas da mão do vivente! Quando afirmamos para alguém, ou para nós mesmos, que estamos carentes, é como se disséssemos: “eu não sou responsável”, “eu sou vítima”, “eu tenho azar”. E mais: “deixa esse cavalo corcovear, que eu quero mais é me estatelar no chão!”.

“Ai! Cláudiaaaa, mas eu queria tanto alguém que me desse o que eu preciso...”.

Lá vem o carentezinho de novo! Vaca amarela! Esqueceu a brincadeira?

Ok! Eu vou insistir, bebezãaaaooo! Ninguém tem obrigação de te dar algo que VOCÊ não tem. Compreendeu? Agora me diga, o que você quer é suprir carência de afeto, amor, carinho? Então você quer me dizer que não tem nada disso em você? É isso mesmo?Você acha que não tem!

Começou a ficar envergonhado? Ok! Reservei a melhor parte para o final...

Meu querido carentezinho, você tem certeza de que ainda quer do outro o que VOCÊ não tem? E aiiiiiinda está se achando no direito de se sentir carente?

Eiii! Leon? Dá um Mandrake nesse carente por mim! Fuiii!











2 comentários:

  1. Querida Cláudia
    Nos últimos anos, além de outras atividades,tenho tentado ler e entender a obra do filósofo francês Edgar Morin. Não se trata de fácil empreitada, visto que o autor é considerado o pai da Teoria da Complexidade. Algumas propostas de Morin dizem respeito à reforma do pensamento e a interligação do conhecimento. Além disso, trata da valorização do complexo. No primeiro volume do Método, denominado – “A natureza da Natureza” –, Morin apresenta a seguinte citação: “Os sóis dão voltas, os planetas dão voltas, os ciclones dão voltas, os rodamoinhos dão voltas, a vida, em seus ciclos múltiplos e emaranhados, dá voltas: ciclos homeostáticos, ciclos de reprodução, ciclos ecológicos do dia, da noite, das estações, do oxigênio, do carbono... O homem acredita ter inventado a roda e, no entanto nasceu de todas essas rodas”.
    Ao ler Mandrake na carência! – por sinal uma bela crônica sobre a carência dos carentes – não tenho como deixar de fazer um paralelo com a complexidade de Morin, embora podendo pecar ao emitir uma “pitaca” leiga, em assunto da alçada de profissionais da área de psicologia e ou psiquiatria. Sabendo de tudo isso, e assumindo a responsabilidade pela leviandade de meu ato, ouso dizer que a carência faz parte das rodas e dá suas voltas. Bah! Até me lembrei da roda de bicicleta de Marcel Duchamp. Explico: O carente, depositando toda a expectativa de felicidade em uma pessoa e esta não correspondendo ao seu afeto, causa frustração no carente que passa a dar mais amor à pessoa amada por medo de perdê-la e objetivando receber mais amor ao dar mais amor. A outra pessoa sente-se sufocada e se distancia, com esse ato, o carente sente-se frustrado e pede mais amor, a outra se afasta mais ainda, o carente oferece mais amor... E assim caminha o ciclo de carência afetiva. Se a pessoa carente não procurar outros meios para lidar com a carência, será o fim do relacionamento. Não terá alternativa, a não ser... Mandrake no carente.

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  2. Querido Renato! Show dw bola estas tuas colocações. Ri muito quando disseste que tentas Ler Morin, eu também aceito o desafio e mantenho a leitura aos pouquinhos, não é fácil meu amigo! Mas tu pegaste bem a ideia, que não é novidade, é cíclica. Quero apenas dizer a quem lê: AME-SE! Pois vale mais a pena você buscar formas de se amar do que buscar no outro algo que a vida está disposta a te oferecer, desde que você queira sair deste Mandrake eterno! Grande Beijo! Obrigada!

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