Que saudades daquele tempo em que rasgávamos cartas de amor,
fotografias de beijos, olhares e afagos...
Saudades da amizade que tínhamos com
o tempo, que apagava as imagens e dissipava as dores de amor...
Mas se raramente imprimimos
fotografias, e o Facebook
banalizou as nossas imagens, como daremos um fim digno ao amor? O que pensar
dos amores líquidos eternizados em imagens instantâneas e velados em sofrimentos
voyeristas intermináveis? Verdade
seja dita, as fotos de um relacionamento eternizam um amor que há muito tempo
já vem se subtraindo em nossos arquivos de imagens. Primeiro um arquivo de muitas
fotos, imagens que não se cansam de registrar: o beijo e os olhares, e um click para cada suspiro. Nos
últimos anos de relacionamento, a máquina cansa, e as imagens se findam. Imagens
que se perdem antes do rasgo, antes do excluir, antes de ir para lixeira...
Pesquisando sobre o luto, fui surpreendida com um link de
perguntas freqüentes sobre o luto judaico. Uma das perguntas: por que se
costuma rasgar a roupa da pessoa enlutada? Resposta: essa era a maneira de
alguns judeus expressarem a dor e a
angústia pela perda de seus entes
queridos.
Acho que as dores de amor atualmente estão mais para a
vontade de rasgar a roupa do outro em sinal de protesto pelo não-amor do que
lambermos as nossas feridas na reclusão de um status off-line. Sim, meus caros, a verdade é nua e crua, não temos
fotos para rasgar!
Continuei curiosa com aquele link sobre o luto judaico e li que, em sinal de luto, os espelhos
dos enlutados devem ser cobertos, pois a vaidade é sentimento que diverge do
espírito de luto.
Penso que é divergente, mas o luto amoroso, em tempos de
virtualidade, prima exatamente pela vaidade. A expressão “dar a volta por cima”,
na verdade, é sinônimo inequívoco dos espelhos voltados para si e especialmente
para o outro.
Segundo o link, os
judeus enlutados devem aparentar um abandono de si mesmos e a busca de um
isolamento para elaboração de seus lutos. É claro que o texto tratava do luto
pela perda de um ente querido, mas eu continuava imaginando tudo isso no luto
amoroso. Afinal, quantas pessoas morrem sem ter morrido, e quantas nos matam
sem termos percebido?
Como alguém se isolaria hoje? De que maneira? Se a própria
pessoa engendra tramas patéticas, do tipo, excluiu a fulaninha, mas depois blá,
blá! Ressuscita o morto com um click.
E quando a inveja se apodera da cena e faz da alegria do
outro o pior castigo? Bobagem! As aparências enganam mais do que em qualquer
outro tempo. Nessa vida virtual, aparentar meias alegrias e inventar um novo
amor sem nunca ter amado, é muito fácil!
Quem sabe quantas vezes um dia você também inventou? E agora não percebe
que essa vitrine é responsabilidade sua?
E quantas vezes você vai excluir, bloquear, adicionar,
excluir, bloquear? Quantas? Talvez até que um novo amor surja, não é mesmo?
O luto amoroso na virtualidade se transformou
em massacre ruminativo e invasivo!
Nos últimos tempos tenho assistido
a amores esfolados por uma tela de
imagens e frases que deveriam ser mais verdadeira. A imagem deveria se desculpar, deveria se recolher, deveria se
rasgar, quebrar espelhos e suprimir o deboche e a gritaria. Afinal de contas um velório se dá no silêncio
e na quietude.
Certa vez li um artigo que versava sobre a importância de
rasgarmos fotografias para elaborarmos lutos de amor. Rasgar seria como
assassinar o amor e tentar ocultar o cadáver. Seria como matar mil vezes,
rasgar sem poder voltar atrás, sem poder colar, sem poder adicionar, ou
bloquear, ou excluir. Seria como apertar
o verde da urna e dizer: confirmo que te excluo, hoje, aqui, agora, o meu voto
é nulo! O meu voto é em branco, pronto para uma nova impressão!