domingo, 30 de junho de 2013

Clicks e rasgos de amor





Que saudades daquele tempo em que rasgávamos cartas de amor, fotografias de beijos, olhares e afagos... 
Saudades da amizade que tínhamos com o tempo, que apagava as imagens e dissipava as dores de amor...
Mas se raramente imprimimos  fotografias, e o  Facebook banalizou as nossas imagens, como daremos um fim digno ao amor? O que pensar dos amores líquidos eternizados em imagens instantâneas e velados em sofrimentos voyeristas intermináveis? Verdade seja dita, as fotos de um relacionamento eternizam um amor que há muito tempo já vem se subtraindo em nossos arquivos de imagens. Primeiro um arquivo de muitas fotos, imagens que não se cansam de registrar: o beijo e  os olhares, e um click para cada suspiro. Nos últimos anos de relacionamento, a máquina cansa, e as imagens se findam. Imagens que se perdem antes do rasgo, antes do excluir, antes de ir para lixeira...
Pesquisando sobre o luto, fui surpreendida com um link de perguntas freqüentes sobre o luto judaico. Uma das perguntas: por que se costuma rasgar a roupa da pessoa enlutada? Resposta: essa era a maneira de alguns judeus  expressarem a dor e a angústia  pela perda de seus entes queridos.
Acho que as dores de amor atualmente estão mais para a vontade de rasgar a roupa do outro em sinal de protesto pelo não-amor do que lambermos as nossas feridas na reclusão de um status off-line. Sim, meus caros, a verdade é nua e crua, não temos fotos para rasgar!
Continuei curiosa com aquele link sobre o luto judaico e li que, em sinal de luto, os espelhos dos enlutados devem ser cobertos, pois a vaidade é sentimento que diverge do espírito de luto.
Penso que é divergente, mas o luto amoroso, em tempos de virtualidade, prima exatamente pela vaidade. A expressão “dar a volta por cima”, na verdade, é sinônimo inequívoco dos espelhos voltados para si e especialmente para o outro.
Segundo o link, os judeus enlutados devem aparentar um abandono de si mesmos e a busca de um isolamento para elaboração de seus lutos. É claro que o texto tratava do luto pela perda de um ente querido, mas eu continuava imaginando tudo isso no luto amoroso. Afinal, quantas pessoas morrem sem ter morrido, e quantas nos matam sem termos percebido?
Como alguém se isolaria hoje? De que maneira? Se a própria pessoa engendra tramas patéticas, do tipo, excluiu a fulaninha, mas depois blá, blá! Ressuscita o morto com um click.
E quando a inveja se apodera da cena e faz da alegria do outro o pior castigo? Bobagem! As aparências enganam mais do que em qualquer outro tempo. Nessa vida virtual, aparentar meias alegrias e inventar um novo amor sem nunca ter amado, é muito fácil!  Quem sabe quantas vezes um dia você também inventou? E agora não percebe que essa vitrine é responsabilidade sua?
E quantas vezes você vai excluir, bloquear, adicionar, excluir, bloquear? Quantas? Talvez até que um novo amor surja, não é mesmo?
 O luto amoroso na virtualidade se transformou em massacre ruminativo  e invasivo! 
Nos últimos tempos tenho assistido  a amores esfolados por uma tela de imagens e frases que deveriam ser mais verdadeira. A imagem deveria  se desculpar, deveria se recolher, deveria se rasgar, quebrar espelhos e suprimir o deboche e a gritaria.  Afinal de contas um velório se dá no silêncio e na quietude.
Certa vez li um artigo que versava sobre a importância de rasgarmos fotografias para elaborarmos lutos de amor. Rasgar seria como assassinar o amor e tentar ocultar o cadáver. Seria como matar mil vezes, rasgar sem poder voltar atrás, sem poder colar, sem poder adicionar, ou bloquear, ou excluir.  Seria como apertar o verde da urna e dizer: confirmo que te excluo, hoje, aqui, agora, o meu voto é nulo! O meu voto é em branco, pronto para uma nova impressão!


terça-feira, 11 de junho de 2013

A Bolsa e o Carteiro


Há alguns anos, olhando uma vitrine de uma loja masculina, encontrei uma bolsa do estilo carteiro. Achei que poderia ser um ótimo presente para um amigo que estava prestes a fazer aniversário. A bolsa era de couro, daquelas bem classudas! Imaginei que não teria erro, ele ia adorar.

Mas ele não gostou do presente, e o pior, ainda teceu o seguinte comentário: - “ Como se chama mesmo essa bolsa? ”. E eu, bem tonta ainda respondi: - Bolsa estilo carteiro!

Realmente a cara do meu amigo não foi de satisfação.

Fiquei frustrada, mas depois de alguns dias, sugeri a ele que trocasse a bolsa por algo de seu gosto. Ele aceitou feliz da vida, e ainda desabafou: “Sabe o que é? É que essa bolsa de carteiro não tem nada a ver comigo, entende?” .

Para minha surpresa, percebi que o problema dele não era com a bolsa, e sim ele ser confundido com um carteiro! Sim, este era o seu problema, então resolvi enfiar a minha viola naquela bolsa e parei de ficar me debatendo por não ter agradado.

Recordei-me dessa história ao ver um homem muito elegante atravessando a rua com uma bolsa de estilo carteiro. Nem sei o que era mais lindo, se a bolsa, o homem, ou homem usando a bolsa... a sinaleira abriu e segui meu caminho, foi quando me lembrei do pai da Elis, o Seu Dilson...

O Seu Dilson é carteiro aposentado, homem de presença marcante e extrovertida. A Elis, quando menciona o pai em nossas conversa, conta que ele atuou durante 40 anos nos Correios, sendo boa parte destes anos perambulando nas ruas do bairro Menino Deus.

Vez por outra, encontro o Seu Dilson nas festas que a Elis organiza para os familiares. O pai da Elis “chega chegando”. E não poderia ser diferente, ele tem 2 metros de altura, olhar cativante e sempre exibindo a singular bolsa a tiracolo que lembra...

Sim, lembra uma bolsa de carteiro!

Numa dessas festividades, fiquei pensando se aquela bolsa não poderia ser um vício da profissão, como se fosse uma espécie de bolsa-medalha. Até pode ser verdade, a Elis sempre conta que o pai foi inúmeras vezes homenageado pelos Correios pelo exemplo e distinção no desempenho de seu ofício.

Mas será que tantas ilações acerca da bolsa do Seu Dilson não poderiam ter um “fundo falso”? Será que ele realmente teria tanto orgulho da profissão desempenhada, que relutava em desapegar-se daquele acessório emblemático?

Creio que sim, mas é certo que o buraco dessa bolsa ainda poderia ser mais fundo. Quem diria que no fundo dessa bolsa encontraríamos uma parte da Persona? Eu explico, a Persona é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo, inclusive através de símbolos que representam o nosso papel ocupacional.

Pensando bem, não é de se admirar que a bolsa carteiro seja como uma extensão do corpo de Seu Dilson, afinal de contas foram 40 anos de parceria!

Porém, mesmo a versão estilizada de uma bolsa carteiro, parecia descaracterizar o meu amigo, justamente pelo fato de que ambos se orgulhavam de suas profissões.

Carl Jung ainda afirmava em sua teoria que a Persona pode ser um elemento positivo, mas quando se apresenta de maneira dominante e negativa, o indivíduo se percebe apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais.

Semana passada, acho que tomei um carteiraço de uma Persona. Ele era um ex-colega de aula. Mal ele me viu, saiu dizendo “Eu sou o coordenador tal, de tal Secretaria, de tal coisa, blá, blá, blá”. Fiquei perplexa com a apresentação por achar aquela formalidade totalmente desnecessária.

A Persona havia me atropelado! Alguém anotou a placa? Fiquei pensando se aquilo tudo era vaidade extrema ou seria orgulho da atividade, a exemplo do Seu Dilson com a sua bolsinha, a indefectível, à tiracolo.

Atire a primeira pedra quem nunca se apresentou com máscara da Persona? Será que não estaríamos mais preocupados em mostrar o que fazemos ao invés de mostrarmos ao outro o que realmente somos? Tantas pessoas preocupadas em se definir, enquanto outras se revelam sem perceber! Muitos carteiros e poucas cartas abertas!