segunda-feira, 14 de maio de 2018

...sem olhar a quem

Estacioneio carro, e escutei alguém batendo no vidro lateral.
Era um senhor de uns 60 anos. Ele me mostrou a carteirinha do INSS e um pequeno papel onde pedia alguma ajuda. Ele era surdo.
Atucanadíssima de pressa,  mantive os vidros fechados e pensei em como poderia resolver aquela situação. Acenei com a mão, e pedi um minuto para ele.
O cd do médium Chico Xavier ainda estava tocando e me tocando de mensagens espíritas lindas e inspiradoras. Decidi escutar o cd antes de presentear meu tio Argeu com aquele áudiobook.
Depois de me organizar um pouco dentro do carro, me lembrei do quanto sempre refutei a ideia de dar esmolas a alguém.
Então peguei dez reais, que no meu entendimento não seria  tão esmola, e alcancei-lhe.
Ele agradeceu sorrindo e um pouco surpreso.
Continuei dentro do carro, e retomei a minha função ali dentro, pegando minha pasta etc,
Foi então que eu escutei novamente as batidas no vidro.
O senhorzinho gesticulava me pedindo caneta e papel pois queria me escrever algo.
Repensei a minha pressa...deixei-a de lado.
Resolvi colocar toda a minha atenção naquele momento, e saí do carro enquanto ele escrevia com dificuldade, apoiando o papel no capô do carro.
Ele me entregou o papel que dizia:
"Muito obrigado, você me ajudou, sou aposentado, recebo dia 31. Estou com pouco leite e arroz em casa. Waldir"
Meu Deus...não sei se foram as palavras do Chico Xavier em sua imensa bondade, que me deixaram daquele jeito, mas me deu um aperto no peito de comoção.
Senti que os dez reais não valiam aquele bilhete, eu queria retribuir a retribuição.
Pedi que esperasse, peguei um de meus livros e lhe fiz uma dedicatória.
Sinalizei que o livro era meu, e de certa forma me apresentei, assim como ele o fez.
Surpreendido novamente, apertamos as mãos e nos despedimos.
Ufah...que momento foi aquele, pensei.
Mas para a minha surpresa, ele novamente me pede á atenção.
Se postou na minha frente, retirou o papel que usava para pedir ajuda e rasgou. Com os braços e olhos, e sem qualquer palavra, foi como ele me dissesse: diante disso...não preciso mais de ajuda.
QUE LIÇÃO para mim!

Coletivos Blindados


Resultado de imagem para quem matou marielle francoHá dois meses mataram a vereadora do PSOL Marielle Franco. No sétimo dia de sua morte, eu e minha irmã fomos até a Candelária nos solidarizar. A melancolia ainda estava nos olhos de todos nós.
Era como se eu tivesse sido atingida junto, no peito, na alma, na minha esperança! Imediatamente pensei em todas as lideranças femininas, grupo a qual me identifico em certa medida, desde que assumi a revitalização da Escadaria Ladrilhar.

Me senti apequenada diante de um mundo que por vezes esqueço que ainda pertenço. Um mundo onde a força dos machos ainda domina as Ruas e os Poderes. Mundo dos mesmos homens que abandonam lares e mulheres, e que abusam de filhos e que matam suas companheiras. Um mundo de homens que não admitem o fracasso. Homens que abrem mão de serem bem sucedidos como pais, filhos cuidadores e homens amorosos.
Quando Marielle morreu, foi como se um homem da época das nossas mães e avós dissesse: fecha a janela, vai para a cozinha, cuida dos teus filhos, e não conversa com os vizinhos! O mundo parece o mesmo... Chega dessa brincadeira de democracia moça! De falar o que pensa! Chega de defender bandido, ou mocinho! Chega de pensar no coletivo!

Nos importa muito saber quem matou Marielle.

Mas também me interessa entender o que representa hoje ser uma liderança numa sociedade egocentrada. Eu não conhecia a Marielle,  até saber da sua morte.
Para mim ela simplesmente não existia...
Bem sabemos quais as razões de uma mulher com o potencial dela não aparecer na mídia.
Será  que um, dois, ou nove tiros pensados por alguém, teria a intenção de matar uma causa, ou apenas uma pessoa?
Se para cada eleitor de Marielle, fossem disparados 9 tiros, seriam necessários 418.518 mil balas. Quantos criminosos seriam necessários para este feito? Creio que seria impossível.
A verdade é que cada eleitor de Marielle  foi multiplicado por milhares de sujeitos que foram atacados no peito e na alma como eu fui. 
Mas continuo pensando na intenção de alguém ou de meia dúzia, que acreditam que resolvem um assunto matando uma pessoa. Se foi milícia, ou se foi um desafeto, creio que Marielle não era uma, ela sempre foi uma coletividade, qualidade de poucas pessoas hoje em dia.
Há três anos tenho conhecido muitas Marielles, de todos os gêneros. A maioria na contramão de tudo e de todos. São lideranças que sofrem com a sobrecarga do individualismo. Hoje certamente, é mais difícil ser uma liderança, o custo é muito alto. 
O que eu quero dizer com tudo isso?  Que mais do que nunca precisamos atuar coletivamente.
Precisamos de muitos a dar essa  "cara a tapa", para que no futuro não se tenha apenas um único alvo
Os nove tiros que mataram Marielle e Anderson, saíram pela culatra, pois as causas de Marielle se fortaleceram, e expuseram a podridão que já se sabe, mas não se publica em rede nacional.
Porém, uma voz foi calada, a voz de uma minoria no parlamento. 
Parece que muitas das nossas lideranças ativas e verdadeiras, continuam fazendo o trabalho pesado, o trabalho de formiguinha, mal remunerado ou de graça. São lideranças que estudam, que educam, que se politizam, se esforçam, insistem e sonham com uma sociedade melhor, mas vivem às margens, nas senzalas...
Uma andorinha não faz verão... Marielle me parece que atuava em muitas estações, e representava 46 mil pessoas...mas pq os tiros atingiram somente a existência dela?
Não gostaria de ter que acreditar, que será  sempre através do custo de mortes e prisões de grandes lideranças, que nos fortaleceremos politicamente.
Não seria o momento de repensarmos nosso protagonismo de fato?
Sejamos um coletivo blindado, diante da ignorância armada.