Quando eu trabalhava na seleção de pessoal de uma empresa, atendi um homem que me disse ser sua situação financeira, naquele momento, tão precária que não tinha dinheiro nem para pagar uma passagem de ônibus. Eu confesso, achei que era força de expressão e perguntei como ele tinha chegado até ali. Ele, muito sério, me respondeu: “Vim a pé.” Perguntei de onde. Ele respondeu: “De Gravataí.” Percurso aproximado, dele: 25 km. Qualquer pessoa que visse aquele ser humano exausto acreditaria piamente no que ele dizia. Não foi para me impressionar, era realmente comovente a situação.
Sempre achei essa história do João um exemplo de força de vontade. Enquanto eu escrevia esta crônica, tive que fazer uma pausa para atender a porta para a faxineira, que chegava atrasada. Ela justificou o atraso por estar sem grana e uns problemas de última hora, blá-blá-blá. E concluiu dizendo: “Eu vim a pé.” Percurso dela: 10 km. Eu achei muito! Fiquei com dó e pensei: bom, mas ela chegou! O João também chegou aquele dia. E quer saber? Não importa se foram 25 ou 10 km, o que importou para mim foi a chegada, mas sobretudo a vontade deles.
As duas histórias me fizeram crer que não há desculpa para não se chegar. Me ocorre, neste momento, o quanto temos a impressão de que chegamos atrasados na vida de alguém, ou em algum espaço de convívio ou trabalho. Como se tudo parecesse pronto e resolvido, e estamos ali meio descompassados, parecendo que a gente correu feito um bobo e o ônibus partiu nos deixando ali, ou que encostou lotado e você pensa que não vai conseguir entrar.
Tem gente que pensa que a vida deveria ser como descer e subir de um ônibus, certos de que a próxima condução estaria ali nos esperando. Haveria espera nesse caso? Não. E aquele ônibus iria passar? Sim. E do mesmo jeito você embarcaria? Sim, mas poderia levar mais tempo.
Hoje enquanto dirigia, conversava com um amigo sobre os congestionamentos em Porto Alegre. Ele comparava o indivíduo que dirige com aquele que é passageiro de transporte coletivo. Ele me dizia que, quando dirigimos, nós ficamos muito mais tensos e envolvidos com o estresse do trânsito. Eu complementei: “Talvez por sermos responsáveis pela nossa rota, pela nossa chegada.”. Meu interlocutor seguiu dizendo: “Pois é, quando estamos num ônibus, por incrível que pareça, acaba sendo mais tranquilo. “Sim, pois tudo está nas mãos do motorista”, eu falei.
Depois da conversa, mais associações surgiram sobre o assunto: o ônibus, "o coletivo" que não se envolve naquele caos específico; ao mesmo tempo, nós, "indivíduos motorizados", seres tão isolados, com um controle nas mãos, porém engessados, congestionados, irritados, inertes, atrasados e exaustos.
Qual seria o mais liberto nesse instante de caos: “O coletivo" ou "o indivíduo"?, O coletivo mal-acomodado, mas sem escolha?, o indivíduo motorizado, mas que não tem controle?, ou o indivíduo a pé, mas tem vontade?
Não sei quanto ao transporte, mas uma coisa é certa: prefiro a vontade!