terça-feira, 11 de junho de 2013

A Bolsa e o Carteiro


Há alguns anos, olhando uma vitrine de uma loja masculina, encontrei uma bolsa do estilo carteiro. Achei que poderia ser um ótimo presente para um amigo que estava prestes a fazer aniversário. A bolsa era de couro, daquelas bem classudas! Imaginei que não teria erro, ele ia adorar.

Mas ele não gostou do presente, e o pior, ainda teceu o seguinte comentário: - “ Como se chama mesmo essa bolsa? ”. E eu, bem tonta ainda respondi: - Bolsa estilo carteiro!

Realmente a cara do meu amigo não foi de satisfação.

Fiquei frustrada, mas depois de alguns dias, sugeri a ele que trocasse a bolsa por algo de seu gosto. Ele aceitou feliz da vida, e ainda desabafou: “Sabe o que é? É que essa bolsa de carteiro não tem nada a ver comigo, entende?” .

Para minha surpresa, percebi que o problema dele não era com a bolsa, e sim ele ser confundido com um carteiro! Sim, este era o seu problema, então resolvi enfiar a minha viola naquela bolsa e parei de ficar me debatendo por não ter agradado.

Recordei-me dessa história ao ver um homem muito elegante atravessando a rua com uma bolsa de estilo carteiro. Nem sei o que era mais lindo, se a bolsa, o homem, ou homem usando a bolsa... a sinaleira abriu e segui meu caminho, foi quando me lembrei do pai da Elis, o Seu Dilson...

O Seu Dilson é carteiro aposentado, homem de presença marcante e extrovertida. A Elis, quando menciona o pai em nossas conversa, conta que ele atuou durante 40 anos nos Correios, sendo boa parte destes anos perambulando nas ruas do bairro Menino Deus.

Vez por outra, encontro o Seu Dilson nas festas que a Elis organiza para os familiares. O pai da Elis “chega chegando”. E não poderia ser diferente, ele tem 2 metros de altura, olhar cativante e sempre exibindo a singular bolsa a tiracolo que lembra...

Sim, lembra uma bolsa de carteiro!

Numa dessas festividades, fiquei pensando se aquela bolsa não poderia ser um vício da profissão, como se fosse uma espécie de bolsa-medalha. Até pode ser verdade, a Elis sempre conta que o pai foi inúmeras vezes homenageado pelos Correios pelo exemplo e distinção no desempenho de seu ofício.

Mas será que tantas ilações acerca da bolsa do Seu Dilson não poderiam ter um “fundo falso”? Será que ele realmente teria tanto orgulho da profissão desempenhada, que relutava em desapegar-se daquele acessório emblemático?

Creio que sim, mas é certo que o buraco dessa bolsa ainda poderia ser mais fundo. Quem diria que no fundo dessa bolsa encontraríamos uma parte da Persona? Eu explico, a Persona é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo, inclusive através de símbolos que representam o nosso papel ocupacional.

Pensando bem, não é de se admirar que a bolsa carteiro seja como uma extensão do corpo de Seu Dilson, afinal de contas foram 40 anos de parceria!

Porém, mesmo a versão estilizada de uma bolsa carteiro, parecia descaracterizar o meu amigo, justamente pelo fato de que ambos se orgulhavam de suas profissões.

Carl Jung ainda afirmava em sua teoria que a Persona pode ser um elemento positivo, mas quando se apresenta de maneira dominante e negativa, o indivíduo se percebe apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais.

Semana passada, acho que tomei um carteiraço de uma Persona. Ele era um ex-colega de aula. Mal ele me viu, saiu dizendo “Eu sou o coordenador tal, de tal Secretaria, de tal coisa, blá, blá, blá”. Fiquei perplexa com a apresentação por achar aquela formalidade totalmente desnecessária.

A Persona havia me atropelado! Alguém anotou a placa? Fiquei pensando se aquilo tudo era vaidade extrema ou seria orgulho da atividade, a exemplo do Seu Dilson com a sua bolsinha, a indefectível, à tiracolo.

Atire a primeira pedra quem nunca se apresentou com máscara da Persona? Será que não estaríamos mais preocupados em mostrar o que fazemos ao invés de mostrarmos ao outro o que realmente somos? Tantas pessoas preocupadas em se definir, enquanto outras se revelam sem perceber! Muitos carteiros e poucas cartas abertas!


Um comentário:

  1. Cláudia
    Impressionante o que um simples presente, no caso a bolsa de carteiro, proporcionou para a construção de tão profundos questionamentos que, por certo,inquietam a muitos. O filósofo polonês Kotakowski diz: “Realmente, com frequência nos mascaramos na vida, quer dizer, não revelamos aos outros tudo aquilo que sentimos, pensamos, desejamos. Em grande parte, é uma salvação; caso revelássemos, sem pensar, imediatamente tudo que nos vem à mente ou ao coração na vida diária, viveríamos no barbarismo, fora da cultura”.

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