segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Consciência mesclada





Um dia eu notei que o preconceito racial era mais intenso do que eu imaginava... Não me contive e perguntei ao meu namorado, na época, e negro, em que medida ele realmente sofria preconceito?

Ele respondeu: - Todos os dias, Cláudia!

Aquela frase continha um peso que eu jamais imaginara. E, além de me surpreender com a carga emocional contida na frase, eu também estava surpresa com a “minha surpresa”!



Eu sempre convivi com muitas pessoas negras durante minha infância e adolescência. Por essa razão, acredito que minha alma e minha consciência se mesclaram, sei lá... Mas quando eu escutei meu namorado proferir aquela frase, eu pensei:” talvez eu tenha me alienado de algumas coisas dessa vida em preto e branco!”. Era como se eu tivesse incorporado as cores de todos os meus estimados amigos e amigas negras, talvez para poder ser aceita! Quem sabe se eu banalizei a cor, eu não vi a cor!

Mas o pior é que eu realmente não enxerguei o preconceito! Eu sempre vi outras cores, humores, rumores, amores, vidas, almas, sorrisos partilhados e totalmente independentes da cor! Mais estranho ainda é que alguns indícios do preconceito estavam ali na minha cara e eu não enxergava. Eram frases que “pediam passagem” e eram proferidas por meus amigos em tom de brincadeira: “ Claudinha, negro tem direito!”, ou “ Negro não é palhaço!”. Frases repetidas inclusive por mim, como se aquilo fosse parte da minha realidade, mas não era! Eu não sou negra! Afff!! E por mais que me esforce para entender o preconceito racial, não saberei, posso apenas solidarizar-me e hoje compreender mais...

Então quando alguém provoca a velha discussão sobre as cotas raciais, eu realmente me azedo. E sabem por quê? Porque explicar uma conta que não é sentida no próprio bolso é simplesmente contraproducente. . . Eu sinto vergonha da escravidão. E sinto vergonha de quem diz que, se não escravizou ninguém no passado, então não tem nada com isso!

Mas então eu te pergunto, branquinho, “ Hoje você trabalharia de graça?” e lógico que você responderia: NÃO! E se eu te forçasse a trabalhar? Se eu colocasse a polícia na tua cola, tirasse você de dentro de casa e enfiasse você numa empresa e fizesse você trabalhar de graça por muitos anos? E se você tivesse filhos e eu os escravizasse também, e os filhos dos teus filhos? Me diga? O que seria de você, no mercado de trabalho, o que seria da tua história? E se um belo dia eu te DEVOLVESSE a liberdade? O que você me diria, se ao sair pela porta da empresa, eu te perguntasse: “- Quanto eu te devo?”. O que você me diria? Será que você saberia me dizerquanto eu te devo pela liberdade que eu te roubei? Quanto eu te devo pela história que te surrupiei? Pelas dores da tua alma e do corpo? Pela humilhação e pelo tempo que não ganhou um tostão pelo trabalho feito? Pelo tempo que não estudou??? Pelo tempo que não pôde adquirir bens para garantir alguma dignidade para o teu futuro e o futuro de outras gerações? Sentiu um pouquinho? Sim, só um pouquinho... Quem sentiu mesmo foram os antepassados dos negros de hoje, e que ainda sentem! Ah! É essa parte que você AINDA não entendeu!? Então volte para a "pele do escravo"e imagine... Se além de tudo isso, você continuasse com uma “ficha corrida” estampada na sua pele, uma espécie de tatuagem que lembrasse que você é um retardatário social, que deve fazer mais esforço ou que deve fazer mais para conseguir, pois a tua história de cidadão produtivo simplesmente não existiu? Compreendeu?? Então não me venham falar que não temos que ressarcir o povo negro! Temos sim! Hoje!!! Para sempre? É bem provável que não, mas HOJE é necessário! Sobretudo por entender que a nossa sociedade é hipócrita, nós somos hipócritas quando dizemos que está tudo bem e que achamos que todos vivem de maneira igual, e nos vemos como irmãos???! Você não tem preconceito mesmo? Tem certeza disso?

Ok! Então faça este teste:

Mulheres brancas, imaginem um filho negro sendo gerado no seu ventre, fruto de um amor mesclado, uma amor que não tem cor...

Homens brancos, imaginem seus lindos filhos da cor de suas mulheres negras que vocês admiram e escolheram para serem esposas e mães...

Imaginaram?

Teste simples? Fácil? Sim, mas é fácil para quem REALMENTE não tem preconceito. Meus caros, essa, para mim, é a prova de que você não enxerga cor, enxerga alma , e mais, enxerga o preconceito também! E você aí, que não conseguiu imaginar?? Vá para o final da fila, por favor, e espera a tua vez, pois o preconceito está aí, e querem saber? Perdi a paciência e vou precisar de mais ou menos de uns 300 anos para te explicar de novo! Tá bom esse tempinho pra você? E precisarei desse tempo todo para me recuperar de ter que falar DA COR, que realmente não me importa, mas que IMPORTA HOJE!!