quarta-feira, 20 de março de 2013

Você faz sacolas?

Lá estávamos, eu e a Denise, meditando na fila de um supermercado no Rio de Janeiro. Meditando? Sim, realmente era quase como meditar. Nós duas olhávamos fixamente a placa que indicava “saída”! Nossa postura nada ereta e de total aceitação. Ambas cansadas de uma tarde de folia no carnaval carioca, e obrigadas a fazer umas comprinhas básicas para repor as energias.


O supermercado mantinha a maioria das caixas operadoras em dupla atividade: registrando e empacotando produtos. E aí já viu! Era melhor entrarmos no clima do carnaval, e relaxar!

Eis que, de repente ,o senhor a minha frente me olha sorrindo e pergunta: - Será que você poderia empurrar o meu carrinho enquanto eu vou lá fazer sacolas? Escutei mas não compreendi a expressão: “fazer sacolas”... Provavelmente minha cara interrogativa, obrigando-lhe uma explicação: - Vou fazendo as sacolas e assim a fila anda mais rápido, entendeu?

Concordei, mas continuava sem entender e pensando bem  acho que eu ainda resistia àquela ideia... A Denise distraía-se com umas revistas e percebendo que algo havia acontecido, questionou-me: - O que ele queria prima? Eu repeti a expressão: - Ele foi fazer sacolas... A Denise não entendeu, continuamos curiosas e vimos que o senhor já estava ao lado do caixa separando sacolas. A expressão “fazer sacolas” significava colocar as compras dos clientes nas sacolas. Ao constatarmos a intenção daquele sujeito ficamos comovidas...  As sacolas não eram as ecológicas, mas eram sacolas de pura solidariedade e despojamento daquele senhor.

Nossos olhos infelizmente não assimilavam a cena, por reconhecerem aquela atitude tão valorosa e tão em desuso nossos dias. Imediatamente nos enchemos de admiração por aquele desconhecido. A minha vontade era realmente roubar-lhe a cena e me apropriar de tudo aquilo! Eu precisava fazer algo... nós precisávamos fazer algo!

- Eu vou lá prima! Vai empurrando o carrinho dele!

E lá se foi a Denise solidarizar-se por nós. A partir daquele momento, o tempo não se arrastava mais, porém a fila de conjecturas irrompia dentro de mim. Lembrei de algumas situações desagradáveis que vivi em filas de supermercados, e das inúmeras vezes que fui questionada pela caixa operadora: - Encontrou tudo o que você queria? E eu sempre respondia ironicamente: - Não encontrei a paciência, minha querida, será que está em falta?

Realmente é sempre mais fácil optarmos por resmungar diante de uma fila morosa. Sem falar do risco que um ato gentil ou despojado pode desencadear em beneficio alheio! Não entendeu? Ah! É isso mesmo! Atire a primeira pedra quem nunca pensou que era melhor não fazer nada, pois seu esforço poderia beneficiar outra pessoa. Ah! E tudo isso para não parecermos otários ou ingênuos. Melhor então é tangenciarmos e culparmos: o sistema, o dono da bodega, a economia, etc, etc.

Fila de umbigos! Bloco de autocentrados! É o que somos muitas vezes. Quantas vezes preferimos dançar a marchinha da vítima do sistema?

No fim da fila, agradecemos a gentileza daquele senhor e demonstramos nossa admiração pela iniciativa dele. Ele confidenciou-nos que era a primeira vez que alguém o ajudava...

Impressionante ver o povo assistindo àquele espetáculo como se fosse uma cena corriqueira. Seria tão bom ver uma cidade cheia de: “muito obrigada”, “por favor”, “pode passar”, “quer uma ajuda? ” , “vou lá fazer sacolas”...